Corvo
O preto passou vulto no canto dos olhos do general Aurelio. O corpo resistente e cansado carregava uma mente pesada. – Quanto pesa mais, uma tonelada de moedas ou uma tonelada de cansaço? Me diz Grama. Grama era sua égua. Mas ele chamava de cavalo. – Você me carrega para lá e para cá menina... Eu fico mais pesado ou mais leve? Quando carrego minhas preocupações, eu tiro o peso de suas costas ou faço um a mais carregando o fardo meu? Não quero que você carregue essa mente. Só este corpo. As mãos no corpo do cavalo e o cheiro, o balanço, tão familiares. – Consigo calcular o peso exato que você carrega. Só que atrás dos olhos você nunca vai me dizer, nem ao menos demonstrar, o quão pesado é. Contemplou o caminho sem pensar em nada. Sem perceber se tornou a própria ida, a própria estrada. Não-dois. O preto tão sútil, camaleão de sombra, visível ponto cego. Ave. – Este corvo está nos seguindo a um tempo. Estranho. Nós temos ido para lá e para cá. E ele tem andando em círculos junto com a gente. Perdendo tempo.
O passo do cavalo era a trote. Aurelio havia aprendido a só andar a galope quando observado. Seus anos de batalha, embora não fosse o general mais velho, longe disso, o ensinaram a navegar o mundo das sanhas dos homens. Compreendia mais do que ninguém a pressa. Sabia que nunca era sua. Sempre de alguém, mas ele a carregava. Aprendeu que para carregar a pressa não era necessário se apressar, apenas aparecer apressado.
Era tímido e reservado, assim o descreviam. Preferia tratar de assuntos por carta ou conversas curtas e formais. Era adepto das cerimônias. Era adepto da linguagem profissional. A direteza, havia aprendido, contribui para instabilidade. O vocabulário profissional mantinha o decoro. Critérios. Desavenças faladas de maneira formal tinham aspecto técnico, mesmo que se tratasse de ego. Era melhor manter assim.
Olhou para trás. O corvo que rasgou sua visäo periférica estava parado sobre a parte mais alta da pedra. Contra o sol, era ainda mais escuro. As linhas delimitavam a silhueta de obviamente um corvo. Copia exata do mundo das ideias. O conteúdo porém era mais sombra. Sabia por afiada razão que dentro da silhueta pulsava a vida e o logos. Por afiadíssima razão, sabia que o pensamento era mais real e verificável do que a realidade do caótico escuro. Por um segundo, compreendeu o que via. Não sabia o que via. Haveria algo ali? Ou era o próprio nada? Percebeu: não se trata de estar escondido. Se trata de aprender a ver. Pode enxergar ou confundir-se, o que pareceu ser o relevo da pena do corvo. Já fez aulas de desenho? O preto mais escuro reflete tons de branco verdadeiro sob a intensa luz do sol do meio dia. – Grama, nós temos um dever a cumprir. Avante, garota! Aprumou-se na sela, recobrou a confiança.
Seguiu a trote.