Ventania

Dia 30 de Novembro deste ano eu passei sonhando jogado. Quero, tento escavar algum sentido para isto que me mostre o contrário do que a primeira impressão — a verdadeira — escancara: Dia 30 de Novembro deste ano eu passei sonhando jogado. Todo aniversário recebo ligações das mesmas pessoas. Dia 30 de Novembro deste ano elas tentaram. Esses dias anotei uma frase que eu gostaria de lembrar: “Na dúvida, faça o que te dá orgulho” Por que continuo a duvidar do que vejo claramente com olhos de Buda? A essa altura é imediatamente acessível: Há uma busca que não se encerra por um ente querido desaparecido sem deixar notícias. Onde está Alex Alonso? Agora só escuto a ventania. A luz acende e apaga. Olho pela janela e sombras se agitam contra a poluição visual que bloqueia as estrelas de me enxergar. O que é tão assustador? Eu já estava apavorado antes de chegar o vento. O temporal já terminou de cair e o vento continua a procura do fim. Tão constante, passa, passa e é o mesmo vento, não vai embora. De que me adianta os olhos de Buda se tudo é vazio (anata) e não há ninguém mais aqui? A iluminação chegou e não trouxe a tranquilidade. Se é assim, se apenas me sento em zazen sem perseguir nada e não-não-penso, por que é tão nítida essa falta de sentido? A falta pode também ser pesada de carregar, em excesso. De que adianta contar o lado que não foi ouvido, quem eu fui de verdade, o que tentei, como falhei e qual era afinal minha expectativa? Se todas as pessoas que conheço estão com pressa em busca de quem está certo, quem mentiu, quem falou a verdade, quem está errado. Quem pagou mais penitência para a igreja do que ter razão? Quando a outra parte deu metade, você deu tudo que tinha? Quando a outra parte deu tudo que tinha, você deu até mesmo o que não podia? Quando a outra parte deu a cara a tapa, você se crucificou voluntariamente? Quem foi que pagou mais entre vocês dois? Quem é o errado da história? Vamos condená-lo novamente. Essa tangente não leva a lugar algum além daqui. No mais, estou faminto de criar faz uma década; Criar para quem? Não entendo o que é perda de tempo. Vou criar por mais 40 anos e se não aparecer ninguém? Sou hoje uma pessoa desinteressante. O mundo virou: Onde está sua disposição e utilidade? Não é disso que precisamos. Não é isto que vai trazer mais paz. Usar o dia para cozinhar para a semana. Usar a semana para cozinhar para o mês. Usar o mês para cozinhar para o ano. Não importa o que é prático: para mim é exagero. Existe uma chance de que nada daquilo que eu criar vai ser visto. —— Eu já estou no quarto capítulo do livro que estou escrevendo escondido. Digo que estou escrevendo e ninguém se interessou até o momento para saber sobre o que. E se eu fosse um bom escritor, dedicado, amarraria este final com o começo. Algo com a ventania. Alguma conclusão para fazer as vezes de moral da história. Não possuo. A arte está imitando de 1 para 1 a minha vida. Meu coração está nestas páginas e não é mais ou menos espetacular do que exatamente isto. E o herói morre e renasce no final. Tudo é claro de maneira simbólica. Tudo, é claro, de maneira simbólica.

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